Comunhão
Todos os meus mortos estavam de pé, em círculo
eu no centro.
Nenhum tinha rosto. Eram reconhecíveis
pela expressão corporal e pelo que diziam
no silêncio de suas roupas além da moda
e de tecidos; roupas não anunciadas
nem vendidas.
Nenhum tinha rosto. O que diziam
escusava resposta,
ficava, parado, suspenso no salão, objeto
denso, tranqüilo.
Notei um lugar vazio na roda.
Lentamente fui ocupá-lo.
Surgiram todos os rostos, iluminados.
Carlos Drummond de Andrade
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“Integrando a exposição Brasil, Hy-Brasil, a instalação Comunhão investiga as relações existentes entre as imagens fotográficas e a memória. As máquinas de esperar que compõem a instalação propõem ao espectador também uma reflexão sobre espaços que ainda habitam nossas paisagens, ressoando vivências de um período de residência artística no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, localizado na antiga Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro.
Os rostos mudos e enclausurados, dispostos de forma circular na Fundação Clóvis Salgado, não são lembrados através das fotografias, arquivadas aos prontuários de ingresso no sistema manicomial, num processo onde apagava-se individualidades, reduzindo as pessoas a simples números. Encontram-se, provavelmente, inscritos na obra de Arthur Bispo do Rosário, preservados por um olhar afetivo, fazendo-os sobreviver a uma arquitetura e projeto concebidos com o propósito de apagar vidas.
Ao convidar o espectador a posicionar-se no palco de uma arena, de onde uma plateia silenciosa o observa, Eduardo Hargreaves convida-nos a ressignificar essas não-imagens, construindo uma identidade para esses rostos a partir de memórias singulares, radicalmente impartilháveis e, no entanto, intrínsecas à memória coletiva de qualquer processo civilizatório.”
Luiz Gustavo Carvalho